sexta-feira, 16 de abril de 2010

Aborrecência

Lembro bem da minha adolescência. Até porque nem faz tanto tempo assim. Se não lembrasse era uma retardada. Mas o que realmente quero dizer, é que lembro das dúvidas e incertezas que conviviam comigo diariamente, além do ódio mortal pelo meu nariz.

Tinha uma relação de amor e ódio com o espelho. Não conseguia viver sem ele, mas odiava o reflexo que ele me devolvia.Teve uma época que o que cresceu primeiro foi o maldito nariz e só depois o resto do corpo. Meus dentes também não eram dos mais bonitos.

Foi uma metamorfose difícil. Queria saber como fazia para usar tampax. Achava que aquele negócio poderia se perder dentro de mim e eu vir a falecer por infecção generalizada. Aliás, menstruei com 11 anos. Pensei que a minha vida tinha acabado ali. Nunca mais poderia nadar, dançar ou simplesmente usar calça branca.

Pensava que teria que usar absorvente todos os dias pelo o resto da minha vida. Usei quatro pacotes deles no mesmo dia, lembra mãe? "Sujava" um pouquinho, eu ia lá e trocava e assim foi até o final do quarto pacote, onde minha mãe desconfiou que havia algo errado.

Meu primeiro beijo foi um fiasco. Foi num carnaval, e meus pais estavam no clube bem em cima de um camarote, olhando tudo lá de cima. Putz! Foi como se eles estivessem com a cara no meu beijo, vendo tudo. Por isso foi bem rápido e desapareci depois. Menti para o guri que ia ao banheiro e nunca mais voltei. A propósito, nunca vou esquecer do bafo de cebola do vivente que pelo visto beijou pela primeira vez também. Acho que ele comeu salada de cebola crua antes de ir para o carnaval. Dei azar!

Passei vários sufocos pela falta de informação. Chorei, sofri, queria que meus seios fossem grandes logo de uma vez. Queria saber me maquiar, mas quando tentava fazer isso me sentia uma palhaça pronta para entrar no picadeiro. Inclusive pelo tamanho do nariz.

Sofri horrores com meu primeiro namorado. Quatro meses de um namoro onde eu namorava ele e ele me namorava paralelamente a quinze guriazinhas bobinhas como eu. Detalhe, da mesma turma.

Mas um dia tudo passa. O resto do rosto cresce e a gente vira mulher. Auto-confiante, dona de si e em uma determinada fase aprendemos a dar o troco nos homens. Se não estamos sendo bem tratadas, trocamos de namorado como quem troca de roupa. Começamos a assumir uma identidade de gente adulta e então descobrimos que podemos escolher nosso caminho sem perguntar para ninguém se podemos ou não seguir adiante.

Hoje fiz as pazes com meu nariz. Aprendi a usar absorvente racionalmente e aprendi que a cada aniversário não somos mais quem éramos e podemos melhorar a cada dia. Cada vez mais. Montando através de nossos erros e acertos o quebra cabeça da nossa história onde cada peça é fundamental para o nosso crescimento e amadurecimento.
Somos pedras brutas que ao passar dos anos, sendo lapidadas pelo sofrimento vai revelando uma preciosidade escondida na medida em que vai sendo polida. Da adolescência a "adultecência"... Somos humanos e eternos aprendizes.


Complemento o meu texto com esse outro que li por aí:

"Não passam as dores, também não passam as alegrias. Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve pra montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças. Aquela noite que você não conseguiu parar de chorar, aquele dia que você ficou caminhando sem saber para onde ir, aquele beijo cinematográfico que você recebeu, aquela visita surpresa que ele lhe fez, o parto do seu filho, a bronca do seu pai, a demissão injusta, o acidente que lhe deixou cicatrizes, tudo isso vai, aos pouquinhos, formando quem você é. Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de "passou". Não passou. Está lá dentro, meio perdida, mas quando você menos esperar, ela será necessária para você completar o jogo e se enxergar por inteiro"