segunda-feira, 23 de maio de 2011

Psicose

Célia Maria Mendonça de Albuquerque Holanda Figueroa, escritora famosíssima e renomada mundialmente, espera ansiosamente pelo táxi que está atrasado em frente a um hotel de uma determinada cidade. Confere o relógio, anda de um lado para outro tentando ligar para um número de celular, sem resposta. Está visivelmente nervosa. Seu avião irá partir dentro de pouco tempo.

Em seguida, uma mulher estranha, vestida de punk e oito piercings só no rosto, passa meio que de olho nela. Seu nome é Tina. Um dia foi Cristina, mas quando resolveu ressuscitar na nova versão de sua vida, aboliu o Cris com todo o seu passado.

Tina acaba aproximando-se de Célia Maria, que de repente percebe a existência dela e mesmo desconfiada resolve disfarçar que não há nada de errado. Então, Tina puxa conversa:

- Que dia feio né? Essa garoa fina deixa qualquer um chateado.
- É. Euodeiochuva.com.br. Sou a pessoa que mais odeia chuva que eu conheço.
- Esse ventinho também não ajuda né? Mas você está elegante nesse 7/8 preto e essa manta xadrez no pescoço! Prazer, meu nome é Tina!
- Obrigada! Você fica muito bem com esse piercing no nariz. Gosto muito, só não sei como consegue comer com esse outro da língua. E o meu nome é Célia. (Então dá um sorriso simpático, mas retoma as tentativas com o celular)
- Você sabia que celulares podem causar câncer no cérebro?
- É... Já ouvi falar. Espero que o taxista que chamei esteja utilizando celular com mais frequência do que eu...
- Já esteve em Ponta Grossa?
- Quê?
- Já esteve em Ponta Grossa?
- Eu?
- Quem mais? Afinal, até onde sei é só com você que estou falando.
- Porque? Olha, me desculpa, mas eu estou muito atrasada e daqui a pouco vou perder meu avião. Estou nervosa com isso. (Mais tentativas no celular)
- É uma perguntinha de nada...Basta responder que sim ou que não.
- Sim, eu já estive em Ponta Grossa. Pronto!
- Hummmm... Eu sabia!
- Quê? Como assim?
- O seu último livro deveria ter o meu nome sabia?
- Do que você está falando?
- Que você roubou minhas idéias, minha vida e minha alma. Me escutou contando minha vida para uma amiga quando esteve em Ponta Grossa.
- Você é louca? Do que você está falando?
- Você escreveu sobre a vida de uma menina adolescente que se apaixona perdidamente e por mais que digam para ela não voltar com o garoto, ela volta mesmo assim e sempre descobre que está sendo traída. Depois você fala que ela sentia-se deprimida por não ser tão linda quanto à amiga Eduarda que tinha uns peitões e um cabelo lisérrimo e todos os meninos sonhavam em ficar com ela, enquanto eu tinha que conviver com meus cabelos pixaim e um laçarote de pano ridículo que me acompanhou durante anos. Contou até que morria de vergonha de sair com aquelas espinhas horrorosas e aquele aparelho nos dentes. Você contou minhas intimidades, quando disse que morria de medo de usar O.B. e ainda riu da minha cara porque sentia medo que ele se perdesse dentro de mim e por isso nunca tive coragem de enfiar aquele negócio. Falou com perfeição sobre a agressividade, tristeza, felicidade, agitação e preguiça que eu sentia nesse período. Das dúvidas que tinha sobre sexo, rindo da vez que estive em dúvida se poderia engravidar com sexo oral. Falou do medo que senti de estar grávida quando a camisinha arrebentou. Que olhava para os lados e era como se toda a população de bebês estivessem me olhando querendo me traumatizar com aquela culpa que sentia por ter transado dentro do opala do Leandro. Inclusive com detalhes do opala que só eu e ele saberíamos, quando caí sentada sem querer no freio de mão e acabei gostando. Você roubou a minha história de vida. A minha alma está naquele livro.
- Estou assustada Tina, acalme-se. Isso é basicamente coincidências que acontecem com a maioria das adolescentes. Não foi debochando de você.
- E como saberia que minha amiga gostosona era Eduarda e que meu namorado espinhento, punheteiro e narigudo era Robson?
- Eu nunca soube disso Tina. Sério? Os meus personagens existem?
- Não se faça de desentendida... Eu te odeio por isso.
- Mas, como assim? Xiiii... Olha só, o meu táxi está chegando... Bom te conhecer, até outro dia, hein?
- Nada disso, agora que eu resolvi me aproximar de você, você não pode sair assim. (Tina entra no táxi junto)
- Olha Tina, desculpa se eu te magoei, mas tente entender que não fiz por mal. Ponta Grossa foi apenas um acaso do destino na minha vida entende?
- Eu convivo há anos com essa agonia no meu peito Sra. Célia Maria. Desde Ponta Grossa que minha vida mudou. Quando li o que escreveu percebi o quanto minha vida está em tuas mãos.

Nisso o taxista começou a se interessar pela conversa achando que se tratava de duas lésbicas terminando um namoro por que uma delas havia escolhido ficar com Ponta Grossa. Ajustou o retrovisor e dedicou-se a observar enquanto dirigia.


- Vamos fazer assim Tina, eu vou te dar o meu e-mail e você pode me escrever quando quiser que iremos manter contato ok?
- Eu quero minha vida de volta e não o seu e-mail.
- Tina, você tomou algum medicamento, se drogou, bebeu? O que você está dizendo?
- Eu só tomo umas bolas de vez em quando. Outras vezes fumo um baseado, mas nada demais. Não chego a ser viciada em Óxi. Tenho que tomar alguns compostos antipsicóticos, mas agora só tomei de três tipos para conseguir criar coragem e vir tirar satisfações contigo.
- Você já pensou em procurar um psiquiatra?
- Já procurei.
- E o que ele disse?
- Me mandou parar.
- E você?
- Eu parei... De ir ao psiquiatra.
- Olha, só quero dizer que quanto ao meu livro...
- O nosso livro você quer dizer...
- O livro. Tudo bem se eu disser o livro? O livro foi um acaso do destino, por um acaso coincidiu com fatos reais da sua vida, mas nada além disso. Eu tenho as minhas próprias idéias.
- Se tivesse, não teria roubado a minha.
- Procure se acalmar ok?
- Eu não posso me acalmar quando finalmente estou cara a cara com a mulher que destruiu a minha vida!
- São R$35,00! (Diz o taxista estacionando em frente ao aeroporto)

Célia Maria fica tão nervosa com aquela maluca ao seu lado que entrega uma nota de R$ 100,00 e manda ele ficar com o troco. Desce correndo e diz:

- Tina, acredito que em outra oportunidade poderemos conversar melhor sobre isso. Mas olha, me escreva para o e-mail que está em meu cartão ok? Responderei as tuas dúvidas. Agora tenho que ir.

Tina olha firmemente com o olhar parado para o taxista e diz:
- Siga aquele avião.

domingo, 15 de maio de 2011

Diário de uma dona de casa em surto

Segunda-feira

Hoje comecei a fazer o que minha analista mandou. Escrever num diário tudo que acontece comigo para elaborar meus pensamentos e organizar a minha vida, pois me sinto muito cansada e deprimida. Estou tentando ter paciência com as pessoas da minha família, pois ultimamente tenho sonhado que estou matando eles com as minhas próprias mãos. Acordei, arrumei a casa meio por cima, juntei todos os brinquedos do chão e fiz o café para a família. Coloquei a roupa suja na máquina, liguei o botão enquanto chamava as crianças para se apressarem para a escola. Fui até o quarto deles para insistir em acordá-los. A chaleira começou a apitar. Voltei para a cozinha, no meio do caminho juntei os tênis do meu filho que estavam jogados no corredor. Troquei a água do feijão que estava de molho. Liguei a torradeira. Voltei no quarto das crianças para ameaçá-los de apanhar caso não levantassem. Meu marido acordou resmungando reclamando que eu não dou educação para nossos filhos, que no tempo dele as crianças tinham a responsabilidade de se levantarem sozinhos sem que os pais mandassem. Aquilo me irritou profundamente. Adentrei o quarto deles, abri a persiana com raiva e arranquei as cobertas de cima daquelas criaturas que saíram de dentro de mim não sei como. Mandei levantar imediatamente e ir tomar café quase num surto psicótico. Arrumei os cabelos com as mãos, respirei fundo e lembrei da torradeira ligada. Quando finalmente todos estavam na cozinha, terminaram o café com pressa e saíram em disparada como uma tropa de cavalos cujas bundas foram picadas por abelhas. Meu marido saiu reclamando que tem que resolver tudo e está sentindo-se sobrecarregado e o resto eu nem ouvi mais. Afinal ele reclama todo o dia e eu não faço mais questão de escutar. Olhei a cozinha com tristeza, parecia que a tropa de cavalos tinham deixado a cozinha como os cavalos deixam as ruas na Semana Farroupilha. Comecei a limpar tudo com certo desânimo, mas encarei com firmeza a minha tarefa de dona de casa. Após aproximadamente uma hora a cozinha estava um brinco, tudo brilhava. Poderia me enxergar no brilho da chaleira. Aliás, quando me olhei levei um susto! Eu estava um trapo! Fui dar um jeito na cara e tirar aquela camisola horrenda que ganhei quando tinha dezessete anos e já estava se desfiando toda, mas tinha uma malha tão gostosa que não tinha coragem de me desfazer dela. Me ajeitei e saí para a feira para comprar tudo fresquinho e saudável para a semana. Olhava para o relógio para não perder a hora de começar o almoço. Cheguei em casa e me bateu uma tristeza de ter que sujar a cozinha tão limpinha novamente. Mas encarei sem medo e com muita determinação. O difícil não é fazer a comida em si, mas descobrir o que fazer para o almoço sem que ninguém reclame de nada e com a grana curta. Fui estender as roupas e colocar as cortinas para lavar. Arredei os móveis e retirei os tapetes. Arrumei os quartos, desinfetei os banheiros. Varri a casa toda e passei aspirador em alguns lugares. Retirei o lixo dos banheiros e passei álcool nos espelhos. Passei lustra-móveis por tudo. O cheirinho estava bom. Peguei um tapete horrível de pesado e descarreguei toda a minha indignação por fazer aquilo todos os dias no bendito tapete. Dei uma surra de vassoura nele lá no pátio até parar de sair pó. Coloquei de volta no lugar e passei limpa carpete para ficar mais limpo e cheiroso. Reorganizei os móveis nos seus devidos lugares e corri para começar o almoço. Enfim, fiz uma comidinha variada e bem gostosa, arrumei a mesa bem bonita e meus filhos chegaram da escola. Atiraram a mochila em cima do sofá e meu radar anti-bagunça foi acionado. Mandei que guardassem a mochila no quarto, mas eles não me escutaram. Então eu mesma peguei com ódio aquela mochila e guardei com cuidado no cabide do quarto. Mandei que lavassem as mãos enquanto meu filho mais velho já estava com uma mandioca frita na boca. O mais novo já tinha atirado os tênis no meio da sala de novo e pior, dessa vez com as meias junto de brinde, depois de uma partida de futebol da aula de educação física. Ligou a TV e sentou-se com um prato de comida na mão. Eu o mandei voltar para a mesa e esperar o pai chegar para almoçarmos juntos e ele me chamou de mulher chata. Nisso meu marido chega do trabalho, lava as mãos reclamando e senta na mesa. Reclama que não gosta de ervilha e que eu já deveria saber, como se ninguém mais gostasse de ervilha por causa disso. Pergunto então ansiosa para saber como foi o dia deles e eles:
- Ah! A mesma chatice de sempre ué... Enquanto enchiam a boca de comida sem nem sequer saborear o que fiz com tanto carinho.

Meus filhos começam a brigar entre si e meu marido perde a paciência com eles, a briga está formada. Em certo momento saltou uma ervilha de dentro da boca do meu filho num momento de fúria. Mandei que todos se calassem, pois a hora do almoço é sagrada e um dos meus filhos disse que sagrado é o meu fiofó, só que não com essas palavras. Foi bem pior. Então meu marido levantou da mesa e disse que não dava para comer em nossa casa e foi para o quarto deitar-se um pouco para dar uma dormidinha antes de voltar ao trabalho. Meus filhos levantaram da mesa e enquanto um foi ver TV o outro foi para o computador. Eu fiquei ali comendo sozinha e resolvi retirar a mesa que tinha arrumado com tanto carinho e fiquei analisando que parecia que glutões da idade média tinham passado por ali. Tinha comida fora do prato e suco virado na toalha. Nossa, eles nem perceberam que fiz um suquinho natural e deu um trabalhão para espremer aquele saco de laranjas. Tudo bem! Pelo menos eles estão bem alimentados e com alguma vitamina C no corpo. Retirei a mesa e me deu uma tristeza. Olhei para a cozinha e tinha que começar a limpar tudo novamente. Comecei a limpar tudo com certo desânimo, mas encarei com firmeza a minha tarefa de dona de casa. Após aproximadamente uma hora a cozinha estava um brinco, tudo brilhava.

Meu marido levantou do soninho, escovou os dentes e saiu resmungando alguma coisa que não lembro bem o que é. Meu filho inventou que queria fazer brigadeiro e me fez a gentileza de sujar toda a cozinha por isso. Escutava os arrotos do maior lá no computador. Fui recolher a roupa que já estava seca e passar a montanha de roupas que me olhava com cara de monstro na medida em que ia aumentando. Passei as roupas com certo desânimo e pensando como pode aumentar com tamanha velocidade a quantidade de roupas para passar. Após três horas passando roupas e fazendo verdadeiros malabarismos para conseguir passar os lençóis, meus filhos começaram a gritar pelo café da tarde. Olhei para a cozinha tão limpinha e me deu dó de sujar tudo novamente. Mas eles estão em fase de crescimento então coloquei uma mesa linda e os chamei para tomar café. Eles vieram correndo como dois dinossauros famintos e montaram um sanduíche virado em maionese, pegaram um copão de leite com Nescau e voltaram para o computador. Então retirei a mesa tão linda que havia arrumado e reorganizei a cozinha novamente. Eles só atiraram os copos sujos em cima da pia e saíram correndo novamente dizendo que iam dar uma voltinha e já voltavam. Lavei a louça e fui dar uma organizada na casa para reorganizar o local que meus filhos estavam. Comecei então a arrumar umas coisas na garagem e fazer alguns consertos em casa. Olhei para o relógio, quase 18:00, fiz um chimarrão para esperar meu marido e fui tomar um banho. Estava exausta. Não agüentava a dor nos meus pés. Saí do banho sentindo-me bem melhor e meu marido já havia chegado do trabalho. Tomou um banho e sentou comigo para tomarmos um chimarrão. Conversamos sobre algumas coisas e fui assistir minha novela tão adorada enquanto descascava batatas para a sopa da noite. Mas estava meio gripada e meu corpo doía. Então pedi para meu marido pegar aquilo tudo e jogar numa panela para fazer o jantar porque eu ia me deitar um pouco. Foi então que meu marido disse:
- Pô tu não faz nada o dia inteiro e ainda quer que eu faça o jantar? Tô cansado. Tu nem imagina o que foi o meu dia hoje! O dia inteiro sentado na frente de um computador. Tenha dó!

Por isso, minha cara analista, eu acho que nossos encontros não serão suficientes. Preciso de algo mais forte, algo que somente um psiquiatra possa receitar.

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Segunda-feira (1ª semana de tratamento)

Sinto-me cansada. Mas diferente. Acordei hoje com vontade de radicalizar. Decidi não me manifestar durante o dia todo. Tomei café tranqüilamente e não acordei ninguém. Me arrumei, me maquiei e saí para fazer a feira para comprar frutas. Simplesmente deixei um bilhete na geladeira:
- Meus amores, mamãe foi na feira. Não esqueçam de tomar café!

Voltei e notei que um furacão havia passado lá em casa, tinha uma escova de dente em cima da mesa do hall e pelo visto ninguém tomou café. Liguei o som e detonei uma música enquanto colocava as roupas para lavar. Peguei a vianda e fui num restaurante à quilo para escolher o almoço escutando um mp3. Quando voltei simplesmente coloquei em pratos diferentes. Atirei um jogo americano em cima da mesa e enchi uma jarra de água mesmo porque faz bem também. Fui assistir TV e dar umas gargalhadas sozinha.

Eles chegaram, mandei sentar à mesa e se me respondessem alguma coisa eu grudava um rolo de massa na cabeça deles. Mandei meu filho juntar os tênis e as meias da sala e enfiar na bunda. Meu marido chegou e começou a reclamar, eu o escutei e comecei a cantar cara caramba caracaraô enquanto tirava os pratos da mesa. Atirei na pia para lavar depois e fui dormir com meu marido. Ele me olhava espantado enquanto eu roncava. Meus filhos estavam no computador quando acordei e meu marido já havia ido trabalhar. Pedi para meus filhos fazerem o tal do Orkut para mim porque queria saber como era aquilo que eles tanto mexiam. Enquanto isso eu arrumei a cama deles, tirei o lixo e organizei a casa, incluindo a louça do almoço que eu já havia esquecido.

No meio da tarde fiz uma vitamina de banana, entreguei lá no computador mesmo para cada um e avisei que ia sair. Voltei no consultório da analista que me encaminhou para uma psiquiatra renomada. Comecei a tomar fluoxetina, mas não senti diferença alguma. Voltei para casa esperançosa, tomei um guaraná cerebral e fui tomar um banho. Esqueci do chimarrão do marido. Mas também não tava nem aí.

Detonei uma música na cozinha e fiz um jantarzinho esperto, mas deixei no fogão mesmo e avisei a galera que quem quisesse comer que comparecesse à cozinha, se servisse e deixasse tudo dentro da pia que no outro dia eu ia lavar. Fui assistir TV no quarto enquanto lia revistas de fofoca.

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Segunda-feira (terceira semana de tratamento)

A fluoxetina ainda não está fazendo diferença alguma, mas meus pensamentos estão diferentes. Continuo com meu ritual de acordar cedo e tomar o meu café solitária. A diferença é que eles não estão se atrasando mais e decidiram não tomar mais café da manhã e sim um copo de leite com Nescau de guti-guti. Eu achei ótimo. Menos louça para eu lavar.

Pedi dinheiro para meu marido para o conserto da máquina de lavar (que não estragou mas eu menti que estragou) e paguei para uma senhora passar aquela montanha de roupas enquanto fui na manicure. Marquei hora no cabeleireiro e organizei a casa rapidinho para dar tempo de chegar para o almoço. Estamos comendo de vianda e a comida está ótima. Só dou uma incrementadinha com meu toque pessoal. Eles já estão domesticados, comem sem reclamar e começamos a conversar sobre as coisas do dia-a-dia. Meu marido levou um susto quando me viu com o cabelo diferente e perguntou se tínhamos algum casamento para ir. Eu disse que havia me arrumado para ele e perguntei se ele tinha gostado. Ele fez uma cara de espanto e não me elogiou, mas pelo menos não me criticou também. Tudo bem. Levantei da mesa e fui convidar mais amigos no tal do Orkut. Me viciei naquilo. Encontrei muita gente que não via há séculos. Meus filhos já estão arrependidos de terem me ensinado a mexer. Estou subornando o filho menor para que ele suma de tarde indo para alguma lan house enquanto eu assumo o lugar dele no computador. O dia passou e eu nem percebi. Acabei não lavando, nem passando roupa hoje e a louça do almoço foi lavada na hora do jantar. Dei uma arrumada meio por cima e voltei correndo para o Orkut. Meu filho mais velho se rebelou e eu estou pensando em comprar um computador só para mim. Todos foram dormir e eu aproveitei para ficar na internet. Quando me dei conta eram cinco horas da manhã e eu resolvi ir dormir pois estava um caco.



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Segunda-feira (Quarta semana de tratamento)

A fluoxetina é a coisa mais legal de baita jóia que já inventaram. Estou feliz por estar viva, por ser saudável e poder ouvir os pássaros a cantar pela manhã. Se bem que ando me acordando meio tarde por causa da internet na madruga. Me viciei naquela porr... Só tá dando tempo de buscar o almoço e arrumar as camas meio por cima. Os lençóis eu só troco uma vez por semana agora que é para poupar sabão em pó e luz. Estou aproveitando o tempo sem os meninos em casa para ficar na internet por que as brigas pelo computador estavam demais. Eu quase bati no meu filho mais velho por que eu tinha que responder uns scraps muito importantes e ele não entendia o meu lado. Além disso, sou moderadora de 897 comunidades e não posso deixar de responder para as pessoas que aguardam por uma resposta.



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Segunda-feira (Quinta semana de tratamento)

Eu amo a fluoxetina. Eu idolatro a fluoxetina. Eu venero o farmacêutico que descobriu a fórmula da fluoxetina e poderia dar um beijo de língua de 45 minutos no vivente que inventou a fluoxetina. Eu amo a vida e o Planeta Terra. Bom dia sol! Bom dia flores! Bom dia natureza! Eu amo meus filhos. Eu amo minha casa. Eu amo minha vianda. Minha analista, meu cabeleireiro. Mas descobri que não amo mais meu marido e estou pensando melhor nesse assunto. Acho que ele não me enxerga mais na frente e eu não sinto a menor falta que enxergue. Aliás tenho sonhado que estou dando para todos os atores dos filmes que já assisti na vida. Uma loucura! Tenho a nítida sensação que gritei de verdade na orgia que fiz no meu sonho dessa noite. Me acordei relaxada e imensamente feliz. Meu marido continua reclamando de tudo e eu continuo cantando cara caramba caracaraô nessa hora. O Orkut agora não está tão interessante, embora todos os dias eu fique boa parte do meu dia nele. Resolvi pedir para o dono do restaurante que fornece viandas, que entregasse todos os dias lá em casa para que no tempo que eu levava para buscar o almoço eu possa ficar no computador antes que meus filhotinhos chulepentos cheguem da escola.

Nosso jantar está sendo torradas. E cada um faz o seu para ficar mais prático. Bem melhor!

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Segunda-feira (Vigésima semana de tratamento)

Resolvi fazer um currículo e enviei para várias empresas. Fui ao cabeleireiro e pedi uma transformação geral. Deixei um bilhete para os “homens” da casa que tinha um lasanha no forno e que eles não me esperassem para o almoço. Estou tendo fantasias sexuais com o aspirador de pó e estou preocupada com isso por isso marquei a analista para rever alguns pontos. Entrei na internet e comprei um kit de vibradores de 20 cm para pelo menos mudar o foco do aspirador. Foi fantástico! Acredito que agora o problema com meu marido esteja resolvido, pois ele só serve para pagar as contas mesmo. O problema é que agora não consigo ficar muito tempo longe do meu amiguinho eletrônico. Mas acredito que seja como o Orkut que com o tempo eu vá me acostumando e a novidade passe. Meus filhos estranharam ao me ver de pijama o dia inteiro e toda escabelada com cara de risonha enquanto cozinhava para eles um jantarzinho especial. Eles brigam ao fundo mas eu só consigo cantar, cantar e cantar. A vida é muito linda para ser desperdiçada.

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Segunda-feira (Trigésima semana de tratamento)

E aí psiquí? Aqui estou eu escrevendo nesse maldito diário que até me ajudou bastante no meu processo de interiorização. Nunca mais vou permitir que a senhora me tire algum remedinho esperto desses que eu estou tomando. Show de bola! Cansei do meu vibrador. Estou achando tudo muito morno, sem graça. Já troquei as pilhas, coloquei alcalinas até, mas não adiantou. Acho que nosso relacionamento está esfriando de vez. Pensei em arranjar um amante, mas acho que vai me dar muito trabalho, afinal preciso de tempo para arrumar a casa toda e ficar no Orkut enquanto meus filhos não chegam. Se bem que agora eu só arrumo a casa na hora que eles estão no computador, senão nem arrumo mais. Ah! Eles vão dormir mesmo e bagunçar a cama toda de novo! Pra que vou ficar arrumando toda hora?

Recebi um telefonema de uma empresa querendo ver o meu currículo e fui a uma entrevista hoje. Fiquei toda animada mas morrendo de medo de ser chamada, eu não sei fazer praticamente nada, não saberia nem por onde começar. Mesmo assim, sinto que preciso ser independente para me livrar daquele marido múmia que eu tenho em casa e parar de mentir pra ele que a máquina de lavar estragou só para conseguir uma graninha extra para fazer a unha.

Agora decidi que quando me sinto meio cansada, pego meu personal vibrator Astolfo, nome que decidi carinhosamente de chamá-lo porque foi meu primeiro namorado, e vou tomar um banho com ele, depois vou dormir sorrindo antes mesmo do meu múmia chegar. Até minha pele está mais bonita.



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Segunda-feira (quadragésima semana de tratamento)

Querida, amada, iluminada psiquí, acho que nem preciso mais vir aqui lhe entregar meu relatório de diários. Estou tri tranqüila e muito feliz. Fui chamada para trabalhar numa empresa que é tudibom! Um ambiente super agradável, um salário razoavelmente bom, colegas super simpáticos que estão me ajudando bastante na minha fase de adaptação. Sinto-me útil, ágil, cheia de energia, vitalidade e até contratei uma faxineira. Bolei um cartaz com as tarefas lá de casa para cada um fazer para manter a casa em ordem, porque agora não existe mais a escrava Isaura para limpar todos os minutos. Chego à tardinha e faço um gostoso chimarrão e sento com meus filhos para conversarmos abobrinhas e dar uma revisada nas tarefas da escola. A múmia do meu marido não está mais brigando e até me elogiou hoje pela manhã, disse que eu estava um pouco mais magra. Eu quase gozei com esse elogio, afinal, não sei o que é isso há anos. Me animei com a idéia e resolvi testar a múmia. A múmia se desvencilhou dos pedaços de múmia e virou um homem viril. Me fez gemer sem sentir dor e quase disse que eu o amava num lapso de loucura. Acordamos como dois estranhos, um olhando meio desconfiado para o outro, mas fingimos que não havia acontecido nada demais. Tomamos café e ele até me ofereceu uma carona até o trabalho. Senti até um certo medo, mas aceitei. Na descida do carro ele me puxou e me deu um beijo no rosto. Eu não entendi nada mas desci sorrindo, meio desconfiada. Trabalhei feliz e minha semana foi toda assim: Estranha.

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Segunda-feira (última semana de tratamento)

Minha família está relativamente normal. Me arrisco a dizer que parecemos um comercial de margarina em certos momentos. Meu marido foi promovido de múmia para Rei Leão e eu estou até achando ele mais acessível e menos barrigudo. Já não sinto mais vontade de me separar e meus filhos estão indo muito bem na escola. O mais velho até recebeu um elogio da professora. Resolvemos viajar todos juntos e foi muito divertido. Entrei numa feirinha que sempre tem em cidades turísticas e comprei lençóis novos, lingeries novas e frufruzinhos para dentro de casa. A casa ganhou um certo charme. Comprei abajures e à noite eu acendo todos pela casa para criar um clima agradável. Doei o vibrador Astolfo para minha vizinha viúva há cinqüenta anos e tenho notado que ela está mais sorridente pela rua. Comprei um computador só para mim, mas só utilizo nos finais de semana quando estou sozinha porque os meninos foram jogar com os amigos ou quando meu Rei Leão foi jogar sinuca na esquina. Estamos todos muito bem. Cada um na sua, fazendo aquilo que gosta e quando todos estão em casa tentamos aproveitar ao máximo bons momentos juntos. Só tem uma pequena coisinha que ainda está me incomodando e não consigo resolver. Uma pelanca de graxa que me acompanha na pança e não deixa aparecer o detalhe da lingerie vermelha que eu comprei na viagem. Acho que vou ter que rever minha análise. Mesmo assim, obrigada por me acompanhar nesse tratamento. Ler tudo isso até aqui é sinal de muita coragem e determinação. Se você quiser uma fluoxetina para se recuperar fala comigo tá? Porque o Astolfo eu já doei, agora é tarde demais.


ATENÇÃO: ISSO É UMA OBRA DE FICÇÃO, até porquê se eu tivesse um vibrador ele nunca se chamaria Astolfo. Fala sério!