segunda-feira, 23 de maio de 2011

Psicose

Célia Maria Mendonça de Albuquerque Holanda Figueroa, escritora famosíssima e renomada mundialmente, espera ansiosamente pelo táxi que está atrasado em frente a um hotel de uma determinada cidade. Confere o relógio, anda de um lado para outro tentando ligar para um número de celular, sem resposta. Está visivelmente nervosa. Seu avião irá partir dentro de pouco tempo.

Em seguida, uma mulher estranha, vestida de punk e oito piercings só no rosto, passa meio que de olho nela. Seu nome é Tina. Um dia foi Cristina, mas quando resolveu ressuscitar na nova versão de sua vida, aboliu o Cris com todo o seu passado.

Tina acaba aproximando-se de Célia Maria, que de repente percebe a existência dela e mesmo desconfiada resolve disfarçar que não há nada de errado. Então, Tina puxa conversa:

- Que dia feio né? Essa garoa fina deixa qualquer um chateado.
- É. Euodeiochuva.com.br. Sou a pessoa que mais odeia chuva que eu conheço.
- Esse ventinho também não ajuda né? Mas você está elegante nesse 7/8 preto e essa manta xadrez no pescoço! Prazer, meu nome é Tina!
- Obrigada! Você fica muito bem com esse piercing no nariz. Gosto muito, só não sei como consegue comer com esse outro da língua. E o meu nome é Célia. (Então dá um sorriso simpático, mas retoma as tentativas com o celular)
- Você sabia que celulares podem causar câncer no cérebro?
- É... Já ouvi falar. Espero que o taxista que chamei esteja utilizando celular com mais frequência do que eu...
- Já esteve em Ponta Grossa?
- Quê?
- Já esteve em Ponta Grossa?
- Eu?
- Quem mais? Afinal, até onde sei é só com você que estou falando.
- Porque? Olha, me desculpa, mas eu estou muito atrasada e daqui a pouco vou perder meu avião. Estou nervosa com isso. (Mais tentativas no celular)
- É uma perguntinha de nada...Basta responder que sim ou que não.
- Sim, eu já estive em Ponta Grossa. Pronto!
- Hummmm... Eu sabia!
- Quê? Como assim?
- O seu último livro deveria ter o meu nome sabia?
- Do que você está falando?
- Que você roubou minhas idéias, minha vida e minha alma. Me escutou contando minha vida para uma amiga quando esteve em Ponta Grossa.
- Você é louca? Do que você está falando?
- Você escreveu sobre a vida de uma menina adolescente que se apaixona perdidamente e por mais que digam para ela não voltar com o garoto, ela volta mesmo assim e sempre descobre que está sendo traída. Depois você fala que ela sentia-se deprimida por não ser tão linda quanto à amiga Eduarda que tinha uns peitões e um cabelo lisérrimo e todos os meninos sonhavam em ficar com ela, enquanto eu tinha que conviver com meus cabelos pixaim e um laçarote de pano ridículo que me acompanhou durante anos. Contou até que morria de vergonha de sair com aquelas espinhas horrorosas e aquele aparelho nos dentes. Você contou minhas intimidades, quando disse que morria de medo de usar O.B. e ainda riu da minha cara porque sentia medo que ele se perdesse dentro de mim e por isso nunca tive coragem de enfiar aquele negócio. Falou com perfeição sobre a agressividade, tristeza, felicidade, agitação e preguiça que eu sentia nesse período. Das dúvidas que tinha sobre sexo, rindo da vez que estive em dúvida se poderia engravidar com sexo oral. Falou do medo que senti de estar grávida quando a camisinha arrebentou. Que olhava para os lados e era como se toda a população de bebês estivessem me olhando querendo me traumatizar com aquela culpa que sentia por ter transado dentro do opala do Leandro. Inclusive com detalhes do opala que só eu e ele saberíamos, quando caí sentada sem querer no freio de mão e acabei gostando. Você roubou a minha história de vida. A minha alma está naquele livro.
- Estou assustada Tina, acalme-se. Isso é basicamente coincidências que acontecem com a maioria das adolescentes. Não foi debochando de você.
- E como saberia que minha amiga gostosona era Eduarda e que meu namorado espinhento, punheteiro e narigudo era Robson?
- Eu nunca soube disso Tina. Sério? Os meus personagens existem?
- Não se faça de desentendida... Eu te odeio por isso.
- Mas, como assim? Xiiii... Olha só, o meu táxi está chegando... Bom te conhecer, até outro dia, hein?
- Nada disso, agora que eu resolvi me aproximar de você, você não pode sair assim. (Tina entra no táxi junto)
- Olha Tina, desculpa se eu te magoei, mas tente entender que não fiz por mal. Ponta Grossa foi apenas um acaso do destino na minha vida entende?
- Eu convivo há anos com essa agonia no meu peito Sra. Célia Maria. Desde Ponta Grossa que minha vida mudou. Quando li o que escreveu percebi o quanto minha vida está em tuas mãos.

Nisso o taxista começou a se interessar pela conversa achando que se tratava de duas lésbicas terminando um namoro por que uma delas havia escolhido ficar com Ponta Grossa. Ajustou o retrovisor e dedicou-se a observar enquanto dirigia.


- Vamos fazer assim Tina, eu vou te dar o meu e-mail e você pode me escrever quando quiser que iremos manter contato ok?
- Eu quero minha vida de volta e não o seu e-mail.
- Tina, você tomou algum medicamento, se drogou, bebeu? O que você está dizendo?
- Eu só tomo umas bolas de vez em quando. Outras vezes fumo um baseado, mas nada demais. Não chego a ser viciada em Óxi. Tenho que tomar alguns compostos antipsicóticos, mas agora só tomei de três tipos para conseguir criar coragem e vir tirar satisfações contigo.
- Você já pensou em procurar um psiquiatra?
- Já procurei.
- E o que ele disse?
- Me mandou parar.
- E você?
- Eu parei... De ir ao psiquiatra.
- Olha, só quero dizer que quanto ao meu livro...
- O nosso livro você quer dizer...
- O livro. Tudo bem se eu disser o livro? O livro foi um acaso do destino, por um acaso coincidiu com fatos reais da sua vida, mas nada além disso. Eu tenho as minhas próprias idéias.
- Se tivesse, não teria roubado a minha.
- Procure se acalmar ok?
- Eu não posso me acalmar quando finalmente estou cara a cara com a mulher que destruiu a minha vida!
- São R$35,00! (Diz o taxista estacionando em frente ao aeroporto)

Célia Maria fica tão nervosa com aquela maluca ao seu lado que entrega uma nota de R$ 100,00 e manda ele ficar com o troco. Desce correndo e diz:

- Tina, acredito que em outra oportunidade poderemos conversar melhor sobre isso. Mas olha, me escreva para o e-mail que está em meu cartão ok? Responderei as tuas dúvidas. Agora tenho que ir.

Tina olha firmemente com o olhar parado para o taxista e diz:
- Siga aquele avião.