quarta-feira, 2 de abril de 2014

Bonitinho, mas ordinário


Este doce faz parte da minha infância. Chama-se Gelatina Rei Alberto. Um doce que homenageia o Rei da Bélgica, imitando as cores da bandeira de seu país quando o mesmo veio visitar o Brasil em 1920. Minha bisavó Maurília Miranda sempre nos presenteava com algumas taças quando fazia. Era uma de suas especialidades, além do seu delicioso bolinho de batata. 


Sempre lembro dela com carinho quando falam nesta sobremesa. Hoje descobri porque ela é tão especial para o meu pai. Porque é algo raro de ser feito. Requer paciência e dedicação. Você começa a fazer num dia e tem que terminar no outro, ou seja, começa a fazer quando está com vontade de cozinhar e termina podre de nojo de ter inventado tanta baderna na cozinha. 

Não sei se foi o azar de ter a infeliz ideia de fazer isso quando a pessoa que trabalha comigo pediu folga ou se o doce é chato de fazer mesmo. Após 30 anos resolvi experimentar a receita da bisa que estava anotada com a marcação de um coraçãozinho no meu livro de receitas da família. Ju-ro para vocês que talvez repita tal façanha com esse mesmo intervalo de tempo. 

Tudo começa com você animada na cozinha com todos os ingredientes disponíveis preparando a gelatina e cortando os pedacinhos de abacaxi. Coloca em taças de martini numa tentativa nostálgica de imitar sua bisavó. Então você se dá conta que essa primeira etapa terá que esperar a gelatina ficar pronta para receber as demais camadas, desanima e guarda os ingredientes para o outro dia. 

Só que no outro dia você está em outra “vibe” e não está mais com vontade de cozinhar. Mas o seu doce está incompleto e você lembra que seu filho deve provar a receita da tataravó para pelo menos saber que gosto teve a sua infância. Vira um motivo totalmente emocional, uma questão de valor familiar, algo totalmente pessoal.

Você sai do seu quarto que está extremamente agradável com o ar condicionado ligado e encara a cozinha num calorão desgraçado. Lá pelas tantas você começa a sentir uma pequena irritação com o suor que insiste em escorrer bem no meio das suas costas. Mas segue firme e forte. Precisa concluir o que começou. Então deve fazer uma calda maldita que leva quase meia hora para ficar no ponto do maldito fio para só então colocar as 10 gemas coadas que depois de pronto você se pergunta como foi que aquilo tudo ficou em tão pouca quantidade. Pra completar, por questão de segundos o que era para ser ovos moles acaba virando fios de ovos e você ali sem saber o que fazer para controlar aquela situação. E o fogão? O que é aquilo? Fica com calda pra tudo que é lado que começa a saltitar lá pelas tantas. Uma trabalheira dos infernos mexendo aquilo tudo para no final não render quase nada. 

Tudo bem, você precisa fazer o merengue e isso é barbadinha. A gente faz uma sujeira enorme com meia dúzia de coisinhas e tá tudo certo. Mesmo odiando ameixa, você precisa seguir a receita para lembrar com fidelidade do sabor da infância, senão não fica genuíno. Você “recozinha” aquela ameixa nojenta depois de espremê-la bem e fazer mais uma anarquia básica na sua pia. 

Então, hora de montar as taças. Você retira tudo da geladeira e começa a montar as camadas delicadamente como se fosse uma preciosa obra de arte. O momento é tão especial que é necessário registrar numa fotografia, pois talvez você nunca mais repita tal façanha. Pega o telefone e liga para o seu pai visitá-la para ter a surpresa de comer o tão adorado doce da “Vó Maurília” mais uma vez . Algo raro, que talvez nunca mais aconteça. Ao olhar para a cozinha, percebe que um furacão passou por ali, o doce aparentemente não tem nada demais e o gosto nem é tão bom assim como era o da sua bisavó. 


Me senti tosando um porco. Muita gritaria para pouca lã. Olhando para ele é tão bonito né? Parece tão simples. Mas sinceramente, eu trocaria o nome desse doce maldito de “Gelatina Rei Alberto” para “Bonitinho, mas ordinário”. Só de raiva vou comer tudo agora e acabar com esse maldito de uma vez.
 — se sentindo incomodada.