Pessoas bobas como eu não poderiam ter filhos. Pode ser perigoso para a educação da criança. Além de insuportável para quem convive diariamente com isso. Tenho pena dos meus colegas de trabalho e da minha família. Vou explicar por que: Eu tenho síndrome de Peter Pan. Eu não quero crescer. Prefiro ficar no meio de um monte de crianças do que num lugar conversando com adultos sobre a crise na bolsa de valores e as flutuações do dólar.
Tem dias que eu olho para o lado e fico procurando um adulto para me salvar. Então em alguns segundos cai a ficha e percebo que a adulta sou eu e tenho que demonstrar coragem diante do meu filho. Mas confesso, que adoraria sair gritando e pedindo socorro para minha mãe quando ele se arrebenta e vem com um corte sangrando para o meu lado.
Quando vejo um grupinho de crianças sinto como se um imã me puxasse ao encontro delas, gosto de entrevistá-las enquanto bolamos esculturas excêntricas de massinha de modelar e adoro as respostas.Quando chego à escola do meu filho adoro me sentir um pote de milho na volta das galinhas, que no caso são pintinhos. Adoro aquele monte de crianças na minha volta querendo beijar a mãe do Gui. Se estou dirigindo e vejo uma criança olhando pelo vidro traseiro no carro da frente não resisto, começo a abanar, sorrir e se ela for legal brincamos de fazer caretas durante o trajeto.
O problema é que com isso a minha bobice é alimentada com doses diárias de bobagens. Percebi quando ofereci um chimarrão para meus colegas de sala (até parece que estou num presídio, mas daí seria cela, deixa pra lá) e complementei a frase dizendo:
- Quem quer um chimarrão põe o dedo aqui, senão vai fechar o abacaxi!
Putz! É de doer, eu sei. Mas quando vi já tinha feito. “Bobo é tu cara de tatu” é direto. “Chouriço pra comer na hora do serviço” também, mas só quando quero me livrar da pergunta “Mãe, o que é isso?” e eu não sei a resposta. O “enganei o bobo na casca do ovo” eu ainda não usei, mas é só uma questão de tempo.
E quando dirijo numa estrada extremamente movimentada com meu filho dentro do carro sendo a adulta e responsável que não sou, não preciso dizer que quando chego ao destino meus músculos estão tão tensos que para quem olha imagina logo de cara que estou imitando um pingüim caminhando.
É diferente ser responsável por outras pessoas. É diferente assumir riscos e ter que monitorar cada segundo de uma ultrapassagem para que ninguém que amamos corra riscos por nossa culpa. É diferente ter que assumir um papel onde tudo fica nas nossas costas e qualquer deslize pode ser fatal.
Não importa a idade que temos, há sempre um momento em que sentimos vontade de chamar um adulto para que nos diga o que fazer ou nos mostre como agir, como se assumíssemos a total falta de maturidade em enfrentar algo que nos meta medo e que no fundo sabemos que temos que enfrentar sem que ninguém perceba nosso pânico.
Tudo começa lá, na adolescência quando estamos ensaiando para entrar na vida adulta e conquistamos a tão sonhada chave de casa, depois do carro e depois do apartamento em outra cidade quando decidimos estudar longe. Começamos a pisar em terreno desconhecido brincando de ser adulto sem ser e quando menos percebemos os adultos que estão assumindo o posto de adultos são ninguém menos que nós mesmos. Isso assusta.
Lá pelas tantas, gostamos de saber que as pessoas confiam em nossa aparente maturidade e que conduzimos as coisas com perfeição. Tudo acaba bem por que fazemos com que elas acabem bem. Acabamos sentindo um alívio por termos vencido o medo. No fundo, bem no fundinho, esse misto de prazer e insegurança nos transporta para um lugar estranho onde só nós sabemos que nossas certezas não são assim tão sólidas como nossos filhos acham que são e que não somos tão incapazes como achávamos que seríamos.
Mas vamos parar por aqui, porque acho que não quero que meu filho saiba que morro de medo de ser adulta às vezes e quase sempre preciso de um adulto por perto para me salvar das enrascadas. Coisa de adulta criança, sabe como é. Coisa de quem sofre de Síndrome de Peter Pan definitivamente.