quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Noite de Natal

Todo ano é a mesma coisa. A dona da casa em que ocorre a festa, fica parecendo uma barata tonta recebendo a família.

- Aqui tem mais bebida, alguém quer?
Então aquela tia levemente “fortinha” já está pegando com a mão um punhadinho de farofa e diz:
-Essa farofa ficou uma delícia!
- Fiz essa torta mas desandou e aquele peru ali tá parecendo uma galinha de despacho com aquele monte de pêssego e farofa que coloquei na volta.
- Meu filho desce daí, tu vai se quebrar, guri! Não deveria ter dado o presente agora, só amanhã de manhã. Hã? Telefone pra mim? Tá, já to indo... Alô? Oiiiiiiiiiiii! E aí guria? Feliz Natal pra ti também! Tudo de bom! Ai, cuidado! Não passa com essa moto em cima do meu pé meu filho! Desculpa, onde estávamos? Ah! Um excelente Natal pra vocês! Etevaaaaaaaaaaaaaldo! Cuida o teu filho por favor, ele está puxando a toalha da mesa... Ah! Desculpe, onde estávamos?

Nisso, alguém grita:
- Acabou a cerveeeeeeeja!!!
- Já estou indo! Meu filho, o homem-aranha da TV pode se atirar do telhado, tu não. Tu vai se quebrar todinho se pular daí de cima, vai sair muito sangue e vai doer insuportavelmente. DESCE daí já, guri! A cerveja já ta iiiiiiiiiindooooo.

Todos conversam animadamente na sala e parece que está tudo sob controle. O caos é apenas nos bastidores. A música está agradável, a mesa da ceia está linda e a árvore inteira. A cerveja gelada, e para quem está tranquilo conversando a festa está até animada. Então Etevaldo adentra a sala no meio da festa com chinelo de dedos perguntando:
- Que roupa eu visto?
- Mas o que tu tava fazendo que não tá pronto ainda vivente?

A escrava Isaura vai até o roupeiro e escolhe uma camisa bonita e constata que está amassada. Ela passa a camisa enquanto grita para o sobrinho:
- Não solta o cachorro! Ele fica nervoso quando tem muita gente.

E o cachorro se "mija" todo diante da cunhada da vizinha que ele ama de paixão, além de latir irritantemente e ininterruptamente por alguns minutos. Os convidados se entreolham com um ar de: "Mas por que ela solta esse cachorro pela casa? Será que ela tá achando que alguém gosta desses latidos?"

Lá está ela tentando pegar o cachorro no meio de pernas e mais pernas sentadas no sofá da sala. O cachorro se esconde. Acha que estão brincando com ele. A vontade que dá é de grudar uma vassoura na cabeça dele, mas o autocontrole tem que fazer parte de nossas vidas numa hora dessas. Eis que surge uma idéia:
- A primeira criança que conseguir colocar o cachorro no terraço ganha um panetone.

Ninguém se manifesta. Muda o discurso:
- A primeira criança que colocar o cachorro no terraço ganha R$50,00.

As crianças saem correndo atrás do cachorro desesperadas e gritando.

Quando tudo está solucionado a promessa dos R$ 50,00 fica para uma outra oportunidade. Então vem a hora da ceia. Crianças serão servidas primeiro e ficarão comendo numa mesinha num canto da sala. Num outro canto todos estão se servindo animadamente. Será que tem fios de ovos para todo mundo? Ai... Será que sobra para a coitada da dona da casa que se endividou para comprar as frescuras da ceia e espera o ano inteiro para comer fios de ovos?

Então enquanto vai de um lado para outro o que se constata? As crianças fizeram guerrinha de farofa na amada cozinha. Pior que isso, soltaram o cachorro novamente e ele está se deliciando com a farofada. A dona da casa vai em direção ao armário a procura de um comprimidinho "tarja preta" para enfrentar a noite de Natal e tudo fica mais legal.

Nisso, alguém grita:
- Acabou a cerveeeeeeeja!!!
E ela responde:
- Vem pegaaaaaaaaaar!!!!

Resolve tirar os sapatos, pois o salto está acabando com o seu pé. O Homem aranha trocou de roupa e agora está de Flecha da Família Incrível pela casa, quebrando tudo. Ela coloca o dedo na cara dele e diz:
- Se tu não parar, o flecha vai ser enjaulado com os leões da floresta e vai ficar lá dentro até um deles não existir mais, que tal?

Nisso, ela decide se servir e constata uns míseros fios de ovos sobre o peru. Vai até à despensa, abre uma lata de figo e coloca praticamente a lata inteira sobre o prato para compensar a falta dos lindos fiozinhos de ovos.

O sono começa a bater. Fica tentando bolar uma forma de se atirar no sofá e fazer de conta que está participando da conversa enquanto dorme de olhos abertos. Congela um sorriso, se ajeita numa almofada e pede para Etevaldo massagear seus pés enquanto todos estão bebendo animadamente. Percebe que suas piscadas estão ficando compriiiiiiiidas e que alguém nota e levanta.
- Vamos amor! A dona da casa está cansada.

Ela acorda imediatamente e responde:
- Que isso! Fiquem mais um pouco. Só estou com um pouquinho de sono. Tomei um Dramin sei lá, fiquei meio zonza. (Não iria dizer que foi um tarja preta né? Convenhamos!)

Eles decidem ficar por mais umas duas horas e trinta e oito minutos aproximadamente. Já é madrugada alta e sua árvore de natal está se mexendo. Na verdade é só ela que enxerga a árvore mexer. Parece que está meio torta, com algumas bolinhas no chão. Parecem quebradas. Deixa pra lá. Mas o que é aquilo no tapete? Um figo pisoteado? Que nojo!

Decide então tomar um ar para se manter acordada, se não der certo terá que apelar para a opção palito nos olhos para mantê-los abertos. Abre a porta e o cachorro vai correndo para a sala. Que se dane! Ao olhar para a casa do cachorro fala para si mesma:
- Será que se eu deitar só um pouquinho dentro da casinha dele alguém vai notar?

Ai...ai... Nada como a noite de Natal. Na casa dos outros.